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MEMÓRIA – A saga de um filho de Tangará da Serra: José Carlos do Nascimento, o Zé do Boi

Alexandre Rolim / Especial DS 17/02/2023 Memória

Carlinhos ou Zé do Boi é uma referência para o esporte e para a comunidade de Tangará da Serra

Zé do
Boi deixou um legado de amor por Tangará da Serra

A saga de um filho de Tangará da Serra: José Carlos do Nascimento, o Zé do Boi    

Para contar a história de vida de José Carlos do Nascimento, o Carlinhos ou simplesmente Zé do Boi, é preciso fazer um relato breve e significante sobre a história da Família da Tubaína e, automaticamente, dar pinceladas na história de Tangará da Serra, cujos históricos se fundem há mais de meio século. O relato a seguir traz em sua essência a simplicidade de um filho da terra que, ao lado de seus familiares, contribuiu de maneira singular no processo de construção de uma cidade.

Ao nascer em 06 de setembro de 1973 recebeu o nome de José Carlos do Nascimento. Mais tarde herdou do pai o apelido: Zé do Boi. Filho de José Miguel do Nascimento e Raimunda Maria de Oliveira, nosso homenageado de hoje também foi conhecido pelos mais próximos como Carlinhos. Desde menino se destacou pelo seu espírito de liderança e atitudes de bondade, sempre buscando ajudar o próximo e proporcionando bem-estar a todos a sua volta. A história de hoje é contada pela filha dele, Julie Ane, que reside em Tangará da Serra, na mesma localidade onde o pai nasceu, cresceu e fez história.

Família Tubaína

Eram meados da década de 1960, Tangará da Serra era uma vila cheia de gente de várias partes do país, engajadas na construção de uma vida melhor. Justamente em busca de dias melhores chegaram por aqui os pioneiros Ismael José do Nascimento (que hoje empresta seu nome para a avenida implantada na antiga Rua 01) e Francisca Maria de Jesus popularmente conhecida como Vó Chica.

Bisavós do nosso homenageado, Ismael e Vó Chica foram precursores de uma história que se estende há cerca de 60 anos em solo tangaraense. Eles se mudaram de Itamogi, uma pequena cidade do Sudoeste de Minas Gerais, para o vilarejo de Tangará, um lugarzinho afamado do interior de Mato Grosso.

Por aqui a família se instalou na localidade conhecida na época por Vila Mineira, talvez pela grande quantidade de moradores provenientes de Minas Gerais que assim como a Família Nascimento deixavam o sudeste do Brasil e se instalavam por aqui em busca de criar raízes e construir um novo e próspero futuro. Hoje a antiga Vila Mineira é composta por bairros como o Jardim Europa, o Jardim Paraíso e o Jardim Angola.

No começo as dificuldades foram imensas na nova terra. Ismael e Vó Chica vieram para cá com oito filhos. Apesar dos entraves e desafios, a grande família contribuiu desde o princípio para o desenvolvimento da pequena cidade que prosperava em Mato Grosso. Os ‘Nascimento’ decidiram abrir uma fábrica de bebidas, a qual permanece aberta até os dias atuais. Em razão da fábrica de refrigerantes e outros produtos, os filhos de Ismael e Vó Chica são conhecidos até hoje como Família da Tubaína.

Tal pai, tal filho

O filho mais velho de Ismael e Vó Chica, José Miguel do Nascimento, pai do Carlinhos, nosso homenageado, chegou a Tangará ainda bem jovem, solteiro e cheio de sonhos e projetos a serem executados. Casou-se por aqui com Raimunda Maria de Oliveira na década de 1970. Tiveram quatro filhos: Maria Helena, Marilene, José Carlos e Paulo José.

José Miguel prestava serviço de frete por toda Tangará, utilizando um veículo muito conhecido na época: o carro de boi. Ele ganhou popularidade na cidade com os serviços que prestava, recebendo a alcunha de Zé do Boi, apelido que posteriormente também acabou sendo passado para o filho José Carlos, o Carlinhos, Zé do Boi, o nosso homenageado.

Influenciado e seguindo os passos do pai, José Carlos do Nascimento começou a trabalhar muito jovem. Ainda pequeno entregava leite na cidade, que já conhecia como a palma da mão. Todo o mundo sabia quem ele era e ele conhecia e tratava bem cada uma das pessoas. Ainda rapazote, ele montou uma bicicletaria na rua Antônio Hortolani, local onde trabalhou por alguns anos.

Com seu espírito empreendedor e visão de futuro, José Carlos abriu uma empresa de prestação de serviços de jato de areia na chácara onde sua família reside até os dias de hoje. Com a empresa ele trabalhou por aproximadamente quinze anos, prestando serviço para vários empresários da cidade com ‘jateação’ de objetos de ferro, como bicicletas, chassi de veículos, maquinários agrícolas e até mesmo com reformas de leitos para os hospitais da cidade.

Em 1994 José Carlos se casou com Celma Cristina Ferreira da Silva Nascimento. O casal teve três filhos: Julie Ane do Nascimento, João Carlos Ferreira do Nascimento (In Memoriam) e Ana Julia do Nascimento. Não teve tempo de conhecer o neto, Arthur Ferreira do Nascimento.

O Campo do Zé do Boi

José Carlos sempre foi apaixonado pelo futebol. E aonde tem futebol tem amizade e convívio social. Com a abertura do Jardim Paraíso havia uma chácara que fazia divisa com a propriedade em que ele morava. O espírito esportivo dele falava alto. Fiel torcedor do São Paulo Futebol Clube,Carlinhos tomou a frente de um projeto, até que conseguiu uma área onde pudesse fazer um campinho de futebol no bairro. Com muito trabalho e dedicação e com a ajuda de alguns amigos, o tão sonhado campo se tornou realidade.

Calinhos e os amigos, juntamente a um grande número de crianças, capinaram, limparam e plantaram grama no campo onde então começaram as primeiras atividades esportivas de futebol. Entre 1990 e 1998, o local virou atração, se transformou em ponto de encontro dos desportistas de toda a cidade, passando a ser conhecido como Campo do Zé do Boi. Até os dias atuais, jovens, adultos e crianças jogam futebol nesse campo.

Ali, naquele campinho, todas as tardes, Zé do Boi e amigos, crianças, famílias, praticavam o esporte, atraindo gente das demais vilas da cidade. Em pouco tempo, o campo virou um centro de lazer para a população de Tangará da Serra, onde amizade, alegria e diversão se encontravam e se transformavam.

O campo era frequentado pelo primo do Zé do Boi, popularmente conhecido na cidade como Xiruca. Houve o despertar na comunidade da necessidade de se ter um treinador de futebol e quem sabe a criação de uma escolinha de futebol. Foi aí que nasceu a Escolinha de Futebol do Xiruca, uma das mais conceituadas e importantes da cidade.

O Campo do Zé do Boi era de verdade um ponto de encontro das famílias tangaraenses. Ao longo dos anos, Carlinhos e seus parceiros fizeram vários torneios beneficentes, ajudando inúmeras pessoas com dificuldades e necessidades diversas. Em seguida, ele se tornou membro da Liga Esportiva de Tangará, organização esportiva que havia naquela época.

Ações religiosas e juventude

Zé do Boi era muito religioso. Católico, ele também promoveu e apoiou diversas celebrações religiosas em Tangará da Serra, especialmente na região abrangente da Comunidade Cristo Rei, com a promoção de celebrações da Santa Missa, terços e novenas de Natal na chácara onde residia com a sua família.

Em 2007 ele apoiou fortemente o processo de criação de um grupo de jovens na comunidade, valorizando a partir de então a juventude e colaborando para o seu fortalecimento, muitas vezes cedendo sua residência como local de lazer para os jovens. O JUED (Jovens Unidos no Exército de Deus), como ficou conhecido o grupo, chegou a ser composto por mais de cinquenta jovens, permanecendo em atividade por cerca de 10 anos, tendo sua filha Julie Ane e seu genro, Cleber Junior Ferreira, como membros da liderança e participação ativa do grupo e da comunidade Cristo Rei, junto a paróquia Nossa Senhora Aparecida.

“Eu estou zero bala”, dizia

Além de religioso e amante de futebol, Carlinhos ou Zé do Boi também era um grande apaixonado por rodeio e montaria em touros. Desde pequeno, ele fazia de tudo para não perder uma Festa do Peão que ocorre simultânea a Exposserra.

“Nem mesmo quando estava doente, em seus últimos dias, não deixou de prestigiar o evento. Mesmo diante da enfermidade que o consumia, nunca perdeu o sorriso, a alegria e a vontade de fazer e transformar em alegria as dificuldades de todos em sua volta”,

comenta a filha.

“Sua fé e autoestima eram tão grandes que nem mesmo ao olhos dos que o visitavam, vendo ele em profundas dores, perguntavam como ela estava de saúde, ele simplesmente sorria e dizia: ‘Eu estou zero bala’, frase o qual marcou a vida de muitos ao acompanhar essa história de vida e de exemplo para muitos”,

completa a filha.

A enfermidade e a morte precoce do Zé do Boi

O tempo passou e José Carlos ou simplesmente Carlinhos ou Zé do Boi, acumulou muitas alegrias, conquistas e contribuições para desenvolvimento esportivo e muitas outras áreas em Tangará da Serra. A filha conta que no ano de 2008, Zé do Boi, como gostava de ser chamado, participava de um torneio na comunidade Córrego das Pedras, sentiu-se mal enquanto jogava uma partida de futebol e a partir aí sua vida mudou radicalmente.

Ele foi em busca de atendimento médico e recebeu uma triste notícia. Carlinhos foi diagnosticado com uma enfermidade conhecida cientificamente como Silicose Pulmonar, causada pelo pó da areia, produto com o qual trabalhou por vários anos na prestação de serviço de jateamento de areia.

Após quatro anos de muito sofrimento, de luta e vontade de vencer, de idas e vindas a hospitais, buscando recursos até mesmo fora de Mato Grosso, José Carlos do Nascimento, o Zé do Boi, não resistiu, falecendo precocemente na madrugada do dia 02 de outubro de 2011, aos 38 anos. Seu corpo está sepultado no Cemitério Municipal Jardim da Paz, em Tangará da Serra, cidade que ele sempre amou, criou raízes e fez história.

HOMENAGEM

Através de um projeto de lei de autoria do vereador Fábio Brito, a Rua/Travessa Paraíso recebeu o nome de José Carlos do Nascimento. A lei 5.464 foi sancionada em maio de 2021 pelo prefeito municipal Vander Masson. O logradouro está situado no Jardim Europa, região que o Zé do Boi ajudou a construir. A travessa está situada entre as Ruas Benedito Pereira de Oliveira (Antiga Rua 05) e Rua Antônio José da Silva (Antiga Rua 07).



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