Diário da Serra
Diário da Serra

‘Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante’: 30 Anos sem Raul Seixas

Sílvio Tamura 28/05/2019 Artigos

O que desejávamos na infância não queríamos na adolescência. E assim por diante

Artigo 

‘Eu prefiro ser essa  metamorfose ambulante’: 30 Anos sem Raul Seixas

Certa vez, ouvi de um colega que eu parecia menino, que não tive infância, que não cresci, que não sei o que, e não sei o que mais, etc. Tudo porque gostava/gosto de ler quadrinhos. Ok. Então, separei algumas HQs e dei-lhe de presente; pedi que as lesse, e caso não gostasse, que repassasse para alguém. Semanas depois, estava eu parado num semáforo, esperando o sinal abrir, e repentinamente, vi o referido amigo saindo de uma banca de revista, com alguns gibis. Achei estranho. Gritei o nome dele, acenei, mas de longe, ele não percebeu que era eu. Há algum tempo, inaugurou-se na cidade um novo shopping, e lá fui eu ver como ficou. Perguntei na informação se tinha também banca de jornal, e me disseram que era no piso tal; e subi para visitar. Por ironia do destino, avistei, da escada rolante, o mesmo companheiro de turma, deixando a revistaria com uma grafic novel debaixo do braço. Este ano, em março, estreou a tão esperada ‘Capitã Marvel’, sucesso absoluto de bilheterias. Cinema lotado, fila enorme e lá no meio do povo estava quem? Novamente, o antigo colega, agora com uma camisa de super-herói. Fiquei feliz por ver que, com o passar do tempo, ele mudou de opinião. Na adolescência, andava eu com um Walkman, ouvindo músicas de uma banda de rock. Certo dia, um amigo me perguntara que graça tinha tais canções, sem sentido, sem noção, sem não sei o que... Em seguida, entreguei-lhe uma fita K7 (coisa da época), e pedi que a ouvisse; e caso não gostasse, que me devolvesse. Nunca mais a tive de volta. Vinte anos depois, a mesma banda anunciou um show na capital. Comprei o ingresso e quando cheguei ao evento, quem estava lá? Ele mesmo, o colega, que criticava as mesmas músicas, vestido agora com uma camisa da banda. Pois é, atire a primeira pedra quem nunca mudou de ponto de vista. Sabem aquela pergunta que nos fazem quando crianças? ‘O que você vai ser quando crescer?’ Até os 10 anos, para mim estava tudo decidido: queria ser ilustrador. Eu desenhava tudo: paisagens, pessoas, bandeiras, objetos, etc. Na juventude, mudei de ideia; e passei a sonhar ter uma banda de rock. Com pouco talento para a música, e baixa performance como vocalista, o sonho naufragou; e no início da fase adulta, vesti a vontade de ser escritor. Verdade é que o ser humano está sempre em mudanças; e tal fato não é ruim. Pelo contrário; são descobertas. O que desejávamos na infância não queríamos na adolescência. E assim por diante. Lembro-me de uma colega que, no segundo semestre de Direito, descobriu que não era o que queria. Então, numa viagem ao Sul, voltou decidida que ingressaria na faculdade de Moda; e hoje, é uma profissional realizada. Recordo-me de outro amigo que, no quarto período de Biologia, descobriu que a carreira não era para ele. E, na convivência com os colegas, encontrou a vocação nas Ciências Jurídicas; e atualmente, é um advogado bem sucedido. Nunca é tarde para mudar; e não é vergonha alguma admitir o erro, pois os desencontros são experiências para nortear o verdadeiro caminho. ‘Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante; do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo’, cantava Raul, eternizando-se ao longo das gerações. Suas canções não são simples melodias, mas sim autênticas filosofias de vida. Basta atentar-se às melodias e verão. E então, minha gente, será que o país tem jeito? Segundo Raulzito, sim: ‘A solução pro nosso povo eu vou dar. Negócio bom assim ninguém nunca viu. Tá tudo pronto aqui, é só vim pegar. A solução é alugar o Brasil’. Letra irreverente, a canção ‘Aluga-se’ é uma crítica à situação do país na época. Metaforicamente, as expressões comparam o Brasil a um imóvel, disponível para locação. ‘Os estrangeiros eu sei que eles vão gostar. Vamos embora dar lugar para os gringos entrar, pois esse imóvel está pra alugar’. Considerado subversivo, Raul fora perseguido, censurado e expulso do território nacional na década de 70. Versos como: ‘Eu sou a mosca que pousou em sua sopa’, ‘Eu sou a mosca que perturba o seu sono’, ‘Eu sou a mosca no seu quarto a zumbizar’, constituem-se claramente em ataques ao sistema, retratadas em suas composições. Aos fãs, recomendo o DVD ‘Baú do Raul’, de 2014, homenagem com participação de grandes artistas. Falecido em 21 de agosto de 1989, Raul Santos Seixas completa em 2019, 30 anos de partida, imortalizando-se como um dos maiores nomes da música popular brasileira. 

 

Sílvio Tamura, graduado em Comunicação Institucional.            
Próximo artigo: Santo Antônio de Pádua.



Diário da Serra

Notícias da editoria