João e Nelci
Entre causos e contos, o romance de uma vida em movimentos, determinação e contínuos levantares de João e Nelci. Mais que olhares sobre a travessia, a contínua luta pela vida brota da narrativa do casal que, 52 anos vivendo neste e deste solo, gerou vidas, construiu riquezas para terceiros e deixaram marcas e foram marcados pelas relações sociais e econômicas.
João Soares Damacena, alagoano, de Monte Castelo, nascido em vinte e quatro de junho de 1946. Mudou, acompanhando os pais e irmãos, para Tangará da Serra em 20 de agosto de 1966. “Eram cinco famílias, com mulheres e crianças, e “umas poucas coisas” em cima de um caminhão,” relembra. Aqui chegando, compraram terra na região do Palmital para plantar café e lavoura.
Nelci Damacena nasceu em Mucurici – ES, no dia 30 de julho de 1953, depois morou em Minas Gerais, no Paraná e, com apenas 13 anos de idade, mudou-se, com os pais, para Tangará da Serra em busca de “tesouro,” porque aqui, ficaram sabendo, era a promessa do lugar ideal para ficar rico. “Na verdade, um ano antes de vir para Tangará, meu pai arrumou outra mulher e saiu de Perobal – PR, e foi morar com ela em outra cidade no Paraná. Meu Pai e minha mãe, depois de um tempo, retomaram as conversações e combinaram de vir para cá. Minha mãe vendeu tudo o que tínhamos e viemos para cá. Meu pai “largou” a outra mulher e voltou a cuidar da família”. Aqui chegando, a família foi morar no sítio dos pais de seu João, na região do Palmital.
Um jovem e uma adolescente se conheceram como vizinhos e dessa amizade, iniciou o namoro escondido dos pais. A mãe de Nelci descobriu o namoro, não concordou e deu um jeito de vir morar na cidade para separar o casal. Tempos depois, a mãe vendeu tudo o que tinha para ir embora de Tangará e levar a filha para longe do namorado – Seu João.
Seu João, além de agricultor, gostava de jogar bola e vinha aos finais de semana na cidade para jogar e namorar. Sabendo que Nelci ia embora, eles combinaram de “fugir”. Rapaz, corajoso, contratou o dono de um Jeep que tinha na cidade para levá-los até o cartório de Barra do Bugres, onde deram entrada ao processo do casório. “Daqui a Barra era puro chão. A Nelci foi me esperar na casa do seu Bento Muniz, que era juiz da infância e de lá nós fomos para a Barra do Bugres”.
Depois de passar as peripécias para conseguirem casar, Nelci voltou a morar no sítio, onde seu João construiu uma casa de pau-a-pique para iniciar a família. Depois compraram 5 alqueires de terra, onde chegou a colher 170 sacas de arroz e 50 de feijão. Seu João lembra que Tangará tinha pouco comércio e que as coisas da roça não eram valorizadas. “Cheguei a trocar 6 sacas de arroz por um par de botina, no ano de 1967. Aqui era na base da troca. 5 sacas de arroz por uma lata de 2 litros de banha. Não era fácil. Na roça também era difícil. Eu já trabalhei duas diárias para ganhar dinheiro que dava para comprar um litro de óleo”.
Mais tarde, deixando a roça, compraram lotes na cidade, onde montaram um pequeno comércio de secos e molhados, e pães. “Aprendi fazer pão com o seu Tamir Torres, e fizemos muito pão nesse Tangará.” Nessa época, lembra Nelci, com uma filha de 02 anos, ficavam até de madrugada preparando massa e assando pães para serem comercializados no dia seguinte.
No ano da febre em Tangará (1971), seu João ajudou a cuidar, a tratar e a enterrar muita gente nessa cidade. “Morreram muitas pessoas. Teve família que morreu todos. Aqueles que não tinham documento e nem família, eram enterrados como indigentes”. Ainda, nesse mesmo período, lembra que muitas famílias compravam “fiado” em seu estabelecimento e, boa parte desse pessoal foi colhido pela febre, deixando a dívida. “A gente vendia porque era a única coisa que aquele povo ia comer. A gente sabia que se eles morressem, a gente não ia receber de ninguém. A gente vendia. Não tinha outro jeito.” Conforme seu João, nesse mesmo período, ele ficou doente durante seis meses, tendo que vender tudo o que tinha para manter a família e cuidar da saúde.
Depois da febre, voltaram a morar no sítio de terceiros; aventuram para as terras de Rondônia, onde não deu certo. Voltaram para Tangará da Serra, indo residir no distrito do Joaquim do Boche, onde iniciaram uma nova fase na vida.
Já com três filhos pequenos, Nelci conta que Pedro Alberto Tayano arrumou uma sala de aula para ela lecionar na Gleba Amor. “Nesse tempo, eu voltei a estudar no Progresso e depois, saí da Gleba Amor e passei a dar aula na Escola do Progresso. Lá, fiz o Magistério (Logos II) e meus filhos cursaram o ensino fundamental e médio. Quando abriu a escola Manoel Marinheiro, em 1989, nós mudamos para Tangará. Trabalhava na escola durante o dia e fazia faculdade de Pedagogia, à noite, na escola Ramon. Sou da terceira turma de Pedagogia da ITEC, hoje FAEST/Uniserra” lembra Nelci com entusiasmo.
Nelci conta que também trabalhou na Escola Acalanto e fazia o trajeto de ida e volta de bicicleta. Com o espírito empreendedor, calculou que se vendesse 6 pães caseiros por dia, conseguiria abastecer o carro para ir e vir do trabalho e parar de andar de bicicleta. Começou a fazer e a vender pães para as colegas. “Essa produção aumentou tanto que chegamos a entregar 150 pães na semana. Nessa época as coisas, situação financeira, começou a melhorar.”
A PROFESSORA QUE APRENDEU CUIDAR DE PESSOAS
Nelci atuou 27 anos na Educação, preferindo trabalhar com alfabetização, à época, crianças de 7 anos idade. “Três anos antes de me aposentar, eu estava com todas as doenças de professora: problemas de coluna, dores de cabeça, cansaço, stress elevado e tantas outras. Uma amiga me indicou uma terapeuta e, a princípio, eu recusei. Depois, aceitei ir lá e percebi que fui curada muito rápido. Tanto que trabalhei seis meses a mais do tempo de me aposentar.”
Nelci gostou tanto do tratamento alternativo – mocha-terapia - que passou a estudar e aprendeu aplicá-lo. No início, ajudava crianças da escola onde trabalhava e professoras amigas. Mais tarde, aposentada, realiza o tratamento em seu próprio espaço. “Recebo pessoas de vários lugares e com diferentes sintomas. Acredito no equilíbrio das energias e fico muito feliz ao ver quem me procura ficar bem. É muito gratificante. O melhor de tudo foi que aposentei e não me afastei das pessoas. Vivo cheia de gente.”
Seu João trabalhou como lavrador, diarista, comerciante e sitiante. Hoje, aposentado, ele e o filho caçula cuidam de gado em uma pequena propriedade.
O casal, que acompanhou o desenvolvimento da cidade, deu sua parcela de contribuição para este Município. Viveram dificuldades logísticas e de serviços como tantas outras famílias que chegaram à mesma época. Tiveram 4 filhos, hoje têm 6 netos, dois frequentando ensino superior. Afirmam que valeu a pena enfrentar as dificuldades, pois consolidaram a família com os princípios do respeito e do amor. “O reconhecimento vem dos amigos que fizemos e das portas que abriram” relembra seu João. Ajudaram e foram ajudados por muita gente e, de forma diferente, hoje continuam a ajudar pessoas.